quinta-feira, 9 de julho de 2009

Os meus amigos


Escolho os meus amigos não pela pele ou por outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero o meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho os meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta.
Não quero só o ombro ou o colo, quero também a sua maior alegria.

Amigo que não ri connosco não sabe sofrer connosco.
Os meus amigos são todos assim: metade disparate, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade a sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos, nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice.

Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto;
e velhos,
para que nunca tenham pressa.

Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois vendo-os loucos e santos, tolos e sérios, crianças e velhos,
nunca me esquecerei de que a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril.

Oscar Wilde

terça-feira, 12 de maio de 2009

A propósito do 13 de Maio

Poema do Menino Jesus

Num meio-dia de fim de Primavera

Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar para o chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que ele as criou, do que duvido." -
"Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é por que ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre.
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.

Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Alberto Caeiro

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Ausência











Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 11 de março de 2009

I wish...


All I know is that you're so nice,
You're the nicest thing I've seen.
I wish that we could give it a go,
See if we could be something.

I wish I was your favorite girl,
I wish you thought I was the reason you are in the world.
I wish my smile was your favorite kind of smile
I wish the way that I dressed was your favourite kind of style.

I wish you couldn't figure me out,
But you always wanted know what I was about.
I wish you'd hold my hand when I was upset,
I wish you'd never forget the look on my face when we first met.

I wish you had a favorite beauty spot that you loved secretly,
'Cos it was on a hidden bit that nobody else could see.
Basically, I wish that you loved me,
I wish that you needed me,
I wish that you knew when I said two sugars, actually I meant three.

I wish that without me your heart would break,
I wish that without me you'd be spending the rest of your nights awake.
I wish that without me you couldn't eat,
I wish I was the last thing on your mind before you went to sleep.

All I know is that you're the nicest thing I've ever seen.
I wish that we could see if we could be something.
I wish that we could see if we could be something.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Se tu viesses ver-me...

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...


Florbela Espanca

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Para a Ana Lima :)

The Hero


Mother, let us imagine we are travelling, and passing through a

strange and dangerous country.
You are riding in a palanquin and I am trotting by you on a
red horse.
It is evening and the sun goes down. The waste of Joradighi
lies wan and grey before us. The land is desolate and barren.
You are frightened and thinking-"I know not where we have come
to."
I say to you, "Mother, do not be afraid."
The meadow is prickly with spiky grass, and through it runs
a narrow broken path.
There are no cattle to be seen in the wide field; they have
gone to their village stalls.
It grows dark and dim on the land and sky, and we cannot tell
where we are going.
Suddenly you call me and ask me in a whisper, "What light is
that near the bank?"
Just then there bursts out a fearful yell, and figures come
running towards us.
You sit crouched in your palanquin and repeat the names of the
gods in prayer.
The bearers, shaking in terror, hide themselves in the thorny
bush.
I shout to you, "Don't be afraid, mother. I am here."
With long sticks in their hands and hair all wild about their
heads, they come nearer and nearer.
I shout, "Have a care, you villains! One step more and you are
dead men."
They give another terrible yell and rush forward.
You clutch my hand and say, "Dear boy, for heaven's sake, keep
away from them."
I say, "Mother, just you watch me."
Then I spur my horse for a wild gallop, and my sword and
buckler clash against each other.
The fight becomes so fearful, mother, that it would give you
a cold shudder could you see it from your palanquin.
Many of them fly, and a great number are cut to pieces.
I know you are thinking, sitting all by yourself, that your
boy must be dead by this time.
But I come to you all stained with blood, and say,"Mother, the
fight is over now."
You come out and kiss me, pressing me to your heart, and you
say to yourself,
"I don't know what I should do if I hadn't my boy to escort
me."
A thousand useless things happen day after day, and why
couldn't such a thing come true by chance?
It would be like a story in a book.
My brother would say, "Is it possible? I always thought he was
so delicate!"
Our village people would all say in amazement, "Was it not
lucky that the boy was with his mother?"

Rabindranath Tagore

Mais poemas de Tagore aqui

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009










The Road Not Taken


Two roads diverged in a yellow wood,

And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;
Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,
And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I-
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.

Robert Frost